terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Entrevista com Shigeru Miyamoto da revista Edge traduzida!




Na última vez que conversamos com Shigeru Miyamoto, o futuro da Nintendo ainda era incerto.

Naquele tempo, o Wii ainda se chamava Revolution, e a Sony, com o PS3 bem longe do lançamento, ainda dominava o mercado dos games. Hoje, a situação é bem diferente. É tanta que quase não piscamos quando Miyamoto diz: "para falar a verdade, eu tenho esta grande ambição com Wii Music, que eventualmente pode ser tão influente que pode até influenciar o que a música significa ao mundo".

Mais impertinente que ninguém, um comentário destes só pode ser visto através das grandes mudanças que o Wii trouxe nestes dois últimos anos desde seu lançamento, sendo um elemento essencial para várias casas de famílias. Wii Music é o último game que enfatiza este esquema, mas sua demonstração ruim durante a conferência da Nintendo na E3 2008 o expôs para duras críticas por vários observadores por ser simples demais e a declaração de que a Nintendo não está se importando com os gamers hardcores.

De fato, as análises de Wii Music já foram publicadas desde que nos encontramos com Miyamoto, e muitas não foram favoráveis. É provavelmente melhor, entretanto, não pensar em Wii Music como um jogo. Miyamoto é, na verdade, cuidadoso em mencioná-lo como um "software" em nossa entrevista. Não é algo feito para ganhar notas. Você simplesmente brinca com ele; seu sucesso vem do quanto você se diverte com ele sozinho e a qualidade dos barulhos que você está fazendo.

Miyamoto é cuidadoso em reiterar que seu time está atualmente trabalhando em novos Mario e Zelda, e Wii Music é uma peça feita para agradar a todos e não um público em específico. Mas também vale lembrar que a Nintendo não é mais a companhia oprimida amada pelos gamers nos dias do Revolution.

EDGE: O que você tinha em mente quando criou Wii Music?

Miyamoto: Quando eu estou fazendo alguma coisa, eu penso na minha própria família, e sempre penso se toda ela pode se divertir junta. Acho que um grande público pode gostar de Wii Music. Na verdade, quando perguntamos para as pessoas que jogaram as demos, muitas se empolgaram. Estudantes que já tocaram em suas próprias bandas gostaram dele, e até mesmo homens de meia-idade que nunca tocaram um instrumento antes também ficaram excitados em tocá-los.

Aqueles que são bons em tocar instrumentos musicais podem se divertir com aqueles que não podem. Eu realmente não sei quem vai comprar o jogo, mas espero que as crianças joguem. Crianças têm acesso à educação musical pela primeira vez quando aprendem a teoria e então partem para os instrumentos, mas isso não é fácil. A proposta das crianças aprenderem a teoria e tocar instrumentos depois é para que elas aprendam o prazer da música e como se expressar através dela.

Acho que Wii Music é completamente diferente deste currículo escolar. Você não precisa aprender uma teoria difícil para ser mestre em diferentes instrumentos, mas você terá acesso imediato ao prazer da música por si só. Eu quero que crianças pequenas tenham acesso a Wii Music.



EDGE: Wii Fit e Wii Music são ambos ligados aos seus interesses pessoais - ambos compartilham de um processo criativo semelhante?

Miyamoto: O processo de criação de Wii Music foi, na verdade, muito diferente. Eu vi que era divertido cuidar de um cão e criei Nintendogs. Com Wii Fit comecei a me pesar todo dia na esperança de ficar mais saudável e achei algo que era divertido e interessante, o qual transformei em videogame.

Além de achar algo interessante e transformar em um videogame, Wii Music tem sido uma resposta para minha longa vida como um músico frustrado. Eu toquei instrumentos e tenho sido um fã de músicas por muitos, muitos anos. O único problema, o qual eu nunca consegui resolver, é que enquanto eu queria fazer uma perfomance para o público, não importando o quanto eu praticasse, sempre sentia que não estava bom. Era como se eu gastasse os últimos 30 anos tentando me tornar um músico e finalmente, com Wii Music, eu criei um instrumento que me permitisse ter essa experiência. É quase uma resposta para meu longo problema.

EDGE: Outros games musicais como Rhythm Tengoku, Guitar Hero e Rock Band têm tido um grande sucesso por todo o mundo - este sucesso confirma que há um mercado forte para os games musicais?

Miyamoto: Na verdade, eu não pensei em outros softwares musicais quando desenvolvi Wii Music. A razão pela qual eu comecei o projeto foi que era um conceito original do próprio Wii. Nós queríamos que o Wii se tornasse a máquina que estivesse na sala de estar das famílias, onde pudesse ser jogado e que trouxesse diversão. Então, a música foi algo que trabalhei em cima.

Simultaneamente, eu estive tocando muitos instrumentos. Por muitos anos, estive pensando que eu realmente queria fazer um software que as pessoas pudessem se divertir tocando instrumentos. E então, quando nós tivemos a oportunidade de trabalhar com a nova interface com o Wii Remote, ela me deu a inspiração que eu finalmente estava procurando: a de imitar os instrumentos.

Quando falamos de outros softwares musicais, talvez eu deva dizer que desejo sucesso a eles, mas a Nintendo e eu incluso realmente não gostamos de sermos comparados com algo já existente no mercado. Tentamos ser diferentes dos outros [risos].

Eu não gosto quando as pessoas me perguntam que é devido ao sucesso de outros softwares musicais que eu quis fazer Wii Music. Se não fosse pelo sucesso de outros softwares, as pessoas nem iam perguntar! [risos].

EDGE: A música dá coragem aos jogadores para que sejam criativos, como outros games estão sendo feitos agora. Por que isso?

Miyamoto: Sou perguntado freqüentemente pela razões do porque os games serem divertidos para tantas pessoas, assim eu penso sobre isso e chego à conclusão de que depende do jogo: quando os jogadores acham algo um aspecto criativo para o game, ele se torna divertido.

Videogame é uma forma única de entretenimento chamada de entretenimento interativo. Os jogadores têm a oportunidade de fazer suas próprias decisões e planos, e é assim que esta natureza interativa pode gerar circunstâncias na qual os jogadores se tornam criativos. Acho que é isso um dos pontos mais atrativos dos videogames.

Quando vemos a criatividade de desenhar quadros, tocar com instrumentos - estas não são fáceis para a maioria de nós, mas isso não significa que as pessoas que não gostam de desenhar imagens ou fazer música. Simplesmente porque não há meios fáceis para as pessoas que hesitam em entender a diversão de fazer quadros ou músicas. Acho que nosso trabalho é dar suporte eliminando a dificulade encontrada e trazer a simples diversão dessas atividades.

Mas eu tenho tentado a incluir este tipo de natureza para os jogadores serem criativos o tempo todo - quando eu olho para jogos da série The Legend of Zelda, sempre incluo isso. Quando vemos a indústria dos games, entretanto, eu sinto muito, não tenho a resposta!

EDGE: Você mencionou os medos das pessoas de errar - em muitos aspectos de Wii Fit e o Wii no geral, parece que você está olhando para a saúde das pessoas mais do que nunca. Você se sente como se estivesse agindo como um psicólogo ao invés de um designer de games?

Miyamoto: Eu realmente não acho que mudei minha atitude em fazer videogames. É simplesmente a possibilidade dos videogames poderem ser expandidos devido à fusão de tecnologias. O que eu estive fazendo é muito simples. Eu tentei usar tudo que estava ao meu redor para gerar uma surpresa agradável às pessoas. E fazer isso é o meu prazer. Acredito que o entretenimento é simplesmente isso.

Nós queremos entreter as pessoas supreendendo-as, então não acho que somos psicólogos; somos nada mais que pessoas que geram entretenimento. Dito isso, entretanto, nós temos que entender como vamos surpreender as pessoas. Meu jeito de surpreendê-las é sempre dando alguma dica, assim elas descobrirão dentro delas mesmas alguma habilidade ou interesse secretos, ou alguma coisa que elas já têm mas não sabem ainda. Para fazer isso, eu tenho que pensar o que as pessoas estão pensando, e como elas pensam, que tipo de experiências estão tendo. Se você chama isso de psicológico, então...



EDGE: Você também disse que esperava que Wii Music pudesse ser usado por crianças para fazer música de um jeito que o currículo não pode. Você acha que é um papel dos games educar assim como entreter?

Miyamoto: Eu acho que precisamos analisar cada uma das delicadas palavras sobre a habilidade educacional do entretenimento [risos] mas, falando francamente, eu nunca pensei em fazer software educacional. Mas acho que é errado criar um muro entre os dois.

Eu realmente não acho que a educação e o entretenimento são duas coisas diferentes. Por exemplo, pessoas podem dizer que Brain Training é bom porque é educacional, mas eu não acho que as pessoas só jogam Brain Training para esse propósito. Além, Brain Training se tornou popular porque as pessoas se divertem vendo como elas melhoram e como seus talentos escondidos são revelados através de seus pontos.

Quando vemos Wii Music eu simplesmente penso que é divertido poder tocar instrumentos. Mas, nesse sentido, eu nunca pensei que educação não poderia ser divertida. Eu gostaria que a educação que eu recebi nos meus dias de escola pudesse ter sido bem mais divertida do que foi. Dessa perspectiva, eu estou tentando expandir a natureza divertida das coisas.

Mais uma vez, eu não estou querendo fazer alguma coisa educacional, mas se o resultado final do software é considerado como educacional, está ok. Eu penso em fazer algumas propostas não escritas para professores ao redor do mundo, mas isso depende das pessoas no campo acadêmico; se elas farão uso ou não.

EDGE: Qual a sua resposta para alguns reviews baixos de Wii Music? Você acha que ele seja mal entendido?

Miyamoto: Bem, acabamos de chegar ao nível no qual somente algumas pessoas jogaram Wii Music pela primeira vez, e em muitos casos elas ainda estão jogando, mas acredito que há mais do que jogar games sozinho. Jogar um game desafiador sozinho é, com certeza, um aspecto importante para os videogames, mas na maioria dos casos há outros aspectos, como você associar ou comparar com outros jogadores.

Minha esperança é que gradualmente o número de pessoas que tenham acesso a Wii Music aumente e elas entendam sua diversão natural. Eu não acho que terá um apelo imediato e universal ao redor do mundo [risos].

Eu fico feliz que a mídia dos games tem uma visão diferente de algo novo como Wii Music hoje - simplesmente simboliza o quão diferente e único Wii Music é. Para falar a verdade, eu tenho esta grande ambição para Wii Music, que ele pode eventualmente se tornar algo muito influenciador que pode, no futuro, influenciar o que a música significa para o mundo.

EDGE: É verdade que Wii Music é o último dos games da sua lista original de idéias para softwares para o Wii?

Miyamoto: [Risos] Sim, é verdade que os games de Wii existentes, incluindo Wii Music, estavam na minha lista de prioridades, mas agora há um outro software, é claro [risos], mas eu não posso falar sobre isso!



EDGE: Você pegou esportes, fitness e agora música, todos temas atrativos para qualquer pessoa. Está se tornando um desafio em achar novos temas universais?

Miyamoto: [Pensa por um bom tempo] Bem, sim, é desafiante em achar algo universal mas, apesar de tudo, esse é o meu trabalho como eu o vejo. Até o momento que eu posso revelar qual vai ser o novo tema, nós podemos somente confirmar que estamos trabalhando no próximo Mario e Zelda, além de outras franquias.

Em se tratando de novos games, precisamos nos manter com o novo consumidor em potencial. É claro, nós temos novas idéias em mente o tempo todo, mas a parte desafiadora é quando elas serão realmente apreciadas pelos usuários.

EDGE: É mais difícil desenvolver games como Wii Music ou Wii Fit do que games mais tradicionais como Mario ou Zelda?

Miyamoto: No caso de Zelda ou Mario, como princípio usamos uma nova tecnologia que pode criar novas características para eles. No caso de achar um novo tema que não é normalmente categorizado como uma tema nos games, como Nintendogs ou Wii Fit, nós temos que pensar sobre o que será feito para agradar maiores públicos.

Algumas vezes, novas tecnologias surgem e nos fazem pensar que podemos ter um novo tema, mas até onde meu talento vai, é sempre a mesma coisa. O que eu posso realmente tentar é fornecer aos consumidores algo novo - uma nova experiência nos games. Acredito que é simplesmente uma diferença de foco - estou me focando na tecnologia ou no tema? O desafio natural é sempre o mesmo. Considerando a minha atitude, o ponto chave é se eu estou gostando do que eu estou fazendo ou não.

Isso é importante - acima de tudo, criar algo é sempre um desafio, mas, assim como o desafio, se eu tenho a crença de que estou criando algo novo, isso pode me dar esperança além de diversão.

EDGE: A Nintendo é ainda bastante conservadora com o uso da internet, mas você acha que ainda está aprendendo a como implementar segurança em seus games?

Miyamoto: Está certo, a Nintendo tem sido muito cuidadosa. Quando usamos a internet, nós queremos a maior segurança possível para os usuários a todo tempo.

Nós estamos tentando vários métodos. Para pegar um exemplo de Wii Music, nós entendemos que seria divertido os jogadores terem a oportunidade de compartilhar suas perfomances. Talvez seja algo que estamos conseguindo com o Mii Contest Channel (Check Mii Out nas Américas) - uma coisa é você criar um ótimo novo personagem, mas é uma outra coisa completamente mais divertida você compará-la com outros ao redor do mundo.

Há diversas e ótimas possibilidades, eu acredito, com "vendo e compartilhando" conteúdos gerados pelo usuário. Mas, mais uma vez, nós precisamos fazer a balança apropriada. Assim, nosso desafio continua.



EDGE: É difícil fazer os consumidores que começaram no Wii através de Wii Sports e Wii Music e levá-los aos games mais sofisticados? E você acha que isso é um passo muito importante para a Nintendo hoje?

Miyamoto: Eu acho que, primeiro de tudo, devemos continuar a criar estes tipos de games que mantêm o interesse de pessoas que não estão interessadas em games. Esse é o primeiro passo.

Agora para onde ir a partir daí, uma teoria é que você deve levar essas pessoas para os games que todos nós temos nos divertido pelos últimos 30 anos. Isso pode ser interessante, mas o que eu penso é que o entretenimento por si só é algo que você precisa continuar a surpreender as pessoas.

A questão é o que nós, ou outros criadores de games, podem fazer com que novas experiências nos games sejam únicas, que continuem a surpreender grandes públicos, sejam pessoas que jogam videogames por muito tempo, ou pessoas que são novatas no ramo.

Acredito que o que começamos a ver com o Wii é que as pessoas começaram a entender os videogames, e com esperança elas entenderão que qualquer um pode jogar videogame. Enquanto tenho certeza que algumas pessoas passarão a jogar os games que todos nós temos jogado por muito tempo, estou mais feliz sobre o que a Nintendo e todas as outras desenvolvedoras podem fazer para continuar a surpreender este público agora ainda maior.

EDGE: Você acha que nós ainda estaremos usando o Wii Remote e o Nunchuk nos próximos dez anos? Você espera que eles substituam os joypads, tornando-se um novo padrão?

Miyamoto: Um de nossos desafios que temos visto na indústria dos games é que com o controle agora considerado clássico, há momentos que após usá-lo por anos e anos, como criador não há mais idéias e paredes impedem a aplicação de novas idéias.

É claro, se eu dissesse que nós vamos mudar a interface na próxima geração, as pessoas que estão aprendendo a lidar e a trabalhar com estes controles ficariam bravas. Mas eu acho que em algum momento da estrada nós podemos achar um tipo de interface mais intuitiva que seja ainda mais fácil para que as pessoas interajam com os videogames.

Acho que em algum ponto no futuro nós provavelmente veremos algum tipo de mudança.

EDGE: Muito além do Wii MotionPlus?

Miyamoto: Esse é um bom exemplo de como nós fazemos melhoras do que se tornou um padrão e nós o veremos evoluir. Novamente, nós chegaremos a um ponto onde as pessoas se encontrarão novamente com a parede que impedirá o desenvolvimento de novas idéias após terem explorado todas as oportunidades para este controle. Aí nós nos moveremos para um novo e diferente tipo de controle.

EDGE: Quando chegar o dia de sua aposentadoria, como você quer que seja lembrado?

Miyamoto: Eu vejo sempre para o padrão que nós temos visto na indústria dos mangás japoneses e espero que seja algo desse tipo.

Se você olhar para a história dos mangás japoneses, verá artistas antigos como Osamu Tezuka, o qual realmente definiu o estilo e continuou a ser o pioneiro neste reino, além de desenhar novos mangás e criar novos estilos ao longo do caminho. Acho que outro aspecto chave sobre os mangás dele é que continuaram sendo desenhados até o dia que ele morreu.

Eu seria bastante feliz se as pessoas olhassem para trás algum dia e dissessem "este é alguém que estava lá quando os videogames começaram a ser criados e é alguém que continuou a criar novos estilos de jogo, além de trazer novas idéias para os games. Continuou a ser pioneiro até o dia que morreu".

Nenhum comentário: