domingo, 28 de setembro de 2008

Pensar em Jogos Eletronicos como brincadeira pode custar caro ao Brasil

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Chega a ser inacreditável a ignorância de grande parte da população sobre a produção e o consumo de jogos eletrônicos no Brasil. Com exceção dos que não podem ter acesso ao meio, que não devem ser incluídos em nenhum tipo de generalização sobre o assunto, o que se percebe é que toda obra que leva a estampa dos jogos é considerada apenas como algum tipo de passatempo sem valor. Chega-se ao absurdo de igualar clássicos do gênero, como Age of Empires e Max Payne, com alguma brincadeira de amarelinha na rua, ou, como disse o juíz que determinou a probição do popular título Counter-Strike no começo de 2008, com coisas "capazes de formar indivíduos agressivos" e "com problemas psicológicos pesados".

Este tipo de comportamento deve custar ao Brasil a perda de uma fatia importante neste mercado de 57 bilhões de dólares anuais. O interesse do público no gênero interativo, que deveria funcionar como motor de desenvolvimento para os laboratórios e estudantes nacionais, é constantemente minado pela mídia dominante e por governantes ignorantes que, se não chegam ao ponto de se posicionar enfaticamente contra a produção dessa arte, também não movem um dedo em seu favor.

É claro, falar sobre o assunto sem considerar como ele é recente seria estúpido. Há dez anos, dizer que a indústria de jogos iria se tornar o gigante que superou os cinemas seria simplesmente inconcebível. Em 2000, por exemplo, o mercado de jogos mundial não chegava à marca dos 8 bilhões, o que pode ser considerado pouco, depois de separado entre as empresas e dissolvido pelo mundo. O pensamento dos políticos provavelmente se moldou em torno das produções que as empresas Nintendo e Sega empenharam ao longo das épocas de 80 e 90. De fato, naquela época o produto final dos laboratórios ainda tinha um caráter levemente amador em seu traço, e assim se imortalizou nas mentes dos legisladores e influentes: coisa de criança.

O grande erro hoje, portanto, não é ter considerado os jogos como um segmento desprezível do mercado de entretenimento, e sim manter este pensamento. Deve-se entender dois ítens fundamentais: primeiro, que jogos eletrônicos são uma forma de expressão artística válida e, na maioria das vezes, extremamente rigorosa; segundo, que este segmento merece muita atenção em seu aspecto financeiro, porque todas as previsões especializadas apontam para uma enorme expansão do mercado no futuro próximo, para algo em torno dos 200 bilhões de dólares. Somente pela compreensão destes pontos o governo brasileiro poderá se destacar na produção de jogos e, conseqüentemente, espalhar nossa cultura e lucratividade pelo setor.

Criativamente falando, a discussão sobre a natureza dos jogos como forma de arte já foi superada entre os desenvolvedores e público central do ramo há muito tempo. Se considerarmos arte como a expressão de uma forma de interpretação pessoal do mundo, por exemplo, então os jogos estão inevitavelmente dentro da categoria: não existe um jogo que não se baseie nas regras da realidade para expandir seus conceitos. Outra interpretação pode incluir a arte como "mimese", como disse Aristóteles, mas então os jogos se enquadram mais ainda como arte: Grand Theft Auto IV e Mafia têm por principal objetivo imergir o jogador em um mundo extenso, atual e milimétricamente verossímil. Se a arte for o tipo de expressão que busca o incompreensível da emoção humana, por uma terceira abordagem, então o grande título Crisis Core: Final Fantasy VII pode ser analisado como uma grande obra-prima do laboratório Square Enix, por seu trabalho trágico e tocante durante o final do jogo.

Se isso não o suficiente para que os jogos eletrônicos sejam encarados com seriedade, pode-se discutir também sobre o lado financeiro dos jogos. Ater-se aos números. Basta olhar a progressão geométrica com a qual o faturamento das empresas vem aumento nos últimos 25 anos e logo se percebe o potencial deste mercado, ainda não tocado pelo empresariado brasileiro. Quando o Magnavox Odyssey estreou nos Estados Unidos em 1972 como o primeiro aparelho da história a explorar comercialmente os jogos, o faturamento anual não passava da casa das unidades de milhão. O mercado começou a crescer, até que houve o grande crash dos jogos, onze anos depois, e isso obrigou as empresas sobreviventes a reduzir severamente o orçamento. Depois da euforia inicial e da subseqüente crise, normal em todos os mercados emergentes, a lucratividade da produção interativa continuou a aumentar exponencialmente, chegando a dobrar durante os anos de lançamento de novos aparelhos.

Este é um ritmo que não pode ser igualado nem mesmo pela indústria farmacêutica. Até mesmo agora, durante a pior crise econômica que o mundo já enfrentou desde 1929, o mercado de entretenimento eletrônico apresenta crescimento econômico percentual elevado. Desde o início do ano de 2008, o valor somado das produções já apresentou uma alta de 32% em relação ao ano passado, e a segunda temporada de grandes lançamentos ainda nem mesmo começou. Apenas da geração lançada em 2005, o mundo já soma 180 milhões de aparelhos, capazes de rodar jogos vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. A base de exploração é simplesmente imensa, de forma que, por mais impopular que um obra seja, ela facilmente atinge dezenas de milhares de jogadores, que pagam por volta de R$150,00 cada para obter uma cópia licenceada.

A esta altura, você poderá estar se perguntando: "Mas cadê o Brasil nisso tudo?!". A resposta para isto, leitor, é a mais triste possível: não estamos em lugar nenhum. O destrato do país com a questão dos jogos eletrônicos é tão arraigada na mentalidade do poder que o Ministério da Cultura nem mesmo permite o emprego das leis Rouanet e Audiovisual para o incentivo à produção de jogos. Este tipo de produção não é nem mesmo considerada forma de arte, segundo a Constituição. Mesmo com a promoção de eventos como a Electronic Game Show, nos anos de 2004 e 2005, o Ministro da Cultura Gilberto Gil não fez mais do que cortar a fita da feira e dar o fora. Durante os planos de incentivo à cultura, o governo federal nem mesmo inclui na pauta os incipientes estúdios brasileiros, que deveriam receber máxima atenção neste momento chave do setor.

Marque minhas palavras: este tipo de comportamento arcaico ainda vai custar as mentes mais criativas do nosso país. Este ano, a multinacional Ubisoft instalou o primeiro grande estúdio em São Paulo, que receberá apoio integral da França e prestará contas à sede. Tenho a impressão de que este é apenas o começo de uma invasão, que vem principalmente em busca de mentes que possam produzir bom conteúdo interativo. A menos que o governo deixe de lado a mentalidade do século XX e comece a dar incentivos pesados aos empresários e estudantes de design e programação do Brasil, o que teremos no futuro será um grande apanhado de profissionais sem amparo tecnológico, necessariamente deixando o Brasil para ganhar a vida. Com isso, fica impossível criar uma indústria que traga dinheiro para dentro do país, uma realidade trágica. Pensar nos jogos como "apenas uma brincadeira de crianças", nos dias de hoje, não passa de coisa de gente velha.

Fonte: www.gamestart.com.br

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